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dezembro 2020

Homem dança em evento do Dia da Consciência Negra em frente ao monumento em homenagem a Zumbi dos Palmares, líder quilombola e símbolo da luta contra a escravidão no Brasil, no Rio de Janeiro, em 20 de novembro de 2019. Bárbara Dias — AGIF / AP
O maior quilombo do Brasil foi Palmares, que existiu por grande parte do século XVII e chegou a contar com até 20 mil membros. Hoje, empresta seu nome à Fundação Cultural Palmares, instituição financiada pelo estado criada em 1988 para proteger e apoiar os direitos dos quilombos.
Na década de 1970, Beatriz Nascimento, uma figura acadêmica e influente no movimento dos direitos dos negros do século 20 no Brasil, começou a chamar a atenção para como os quilombos poderiam servir à causa mais ampla do antirracismo no Brasil. Em artigos e no documentário Ori de 1989, ela explorou o conceito de quilombo e traçou os laços entre as comunidades negras brasileiras e as tradições culturais e políticas de vários países africanos. “Nascimento sabia que quilombos não eram lugares fixos”, diz Alex Ratts, antropólogo e autor de uma biografia sobre Nascimento. “Foi ela quem ampliou o significado do termo quilombo. Em seu pensamento, poderia haver quilombos na literatura, na história – até uma pessoa poderia ser um quilombo”. Hoje, 25 anos após sua morte, seu trabalho está constatando um interesse renovado de uma geração mais jovem. “Quando as pessoas lêem o trabalho dela agora, elas dizem “é isso que precisamos fazer”, em um país como este, precisamos aquilombar”, diz Ratts. “Não é uma conversa de pessoas em quilombos rurais. É uma coisa muito urbana, um movimento político muito contemporâneo”.
Bianca Santana, escritora e ativista, de São Paulo, diz que a “intensificação do conflito racial” no Brasil impulsionou o crescimento desse movimento. “Estamos vendo uma proliferação de aquilombamentos – nas favelas, nas universidades, nos movimentos literários, no hip-hop – porque a comunidade negra precisa se reorganizar”, diz ela.
Em agosto, Tamara Franklin, música mineira de 29 anos, lançou o álbum Fugio – Rotas de Fuga Pro Aquilombamento. Franklin conta que só recentemente começou a aprender sobre a história dos negros que escaparam da escravidão para formar quilombos e leu muito sobre eles durante o confinamento da COVID-19 em seu estado natal, Minas Gerais. “Quando eu olho para a situação do negro no Brasil hoje, vejo que a fuga ainda é necessária. Ainda precisamos fugir desses territórios, que nem sempre são físicos, às vezes, são econômicos, políticos, sociais”.
Para sua geração, diz ela, quilombo significa “um lugar onde podemos nos encontrar com nossos iguais e cuidar uns dos outros. Mesmo que não seja um território físico”. Arte e música sobre aquilombamento, oficinas de ativismo cultural e político e conexão nas redes sociais podem proporcionar esse espaço, diz ela.


Os pés de Gabriela, sobrinha de Jacira Oliveira, no quintal da casa de sua tia no Quilombo Galvão, em São Paulo, em outubro de 2019.
Para Santana, a escritora e ativista, a eleição de Bolsonaro em outubro de 2018 foi parte de uma reação contra os avanços feitos não apenas pelos quilombos, mas por toda a população negra do Brasil como resultado de programas sociais e políticas de ação afirmativa introduzidas por governos esquerdistas ao longo dos anos 2000 – incluindo cotas raciais para ingresso na universidade e empregos públicos. “Antes, quando os negros não tinham acesso aos mesmos direitos dos brancos, o Brasil podia fingir não ser um país racista por meio do mito da democracia racial”, diz ela. “Agora, votar em alguém que é racista, misógino, homofóbico, que elogia a tortura e o regime militar, sugere que muitos brasileiros estão tentando colocar as coisas do jeito que acham que elas deveriam ser: negros em posições subalternas”.
Os quilombos podem ajudar a impulsionar uma resposta política antirracista ao momento atual. Nas eleições municipais do Brasil, o grupo ativista político Quilombo Periférico fez uma candidatura coletiva de vários membros à Câmara Municipal de São Paulo, garantindo uma cadeira para a militante local Elaine Mineiro. “Aquilombamento na política significa nos unirmos para defender os direitos dos negros, dos pobres, dos LGBTQ – exigir novas políticas e ações afirmativas necessárias se você quiser ser antirracista”, diz Mineiro.
O avô de Mineiro cresceu em um quilombo tradicional. Ela diz que é crucial que ativistas negros nas cidades e áreas rurais coloquem a história dessas comunidades no centro de seus movimentos políticos, porque a educação e a mídia brasileiras tendem a apagá-la em favor do mito da democracia racial. “Eles tentaram tirar nosso passado de nós, e o passado é onde você olha para aprender”, diz ela. “É extremamente importante que as pessoas possam entender por que as coisas são como são. Para entender que a sociedade como é agora não nasceu, foi construída. E se foi construída, pode ser reconstruída”.
Tradução: Renata Toni